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Pesquisa recente da Abrasel com empresas do setor revela que 33% esperam ampliar o quadro de funcionários em 2023. Em contrapartida, a maioria ainda declara estar operando sem lucro (34%) ou no prejuízo (19%)

"Apesar do faturamento estar indo muito bem para o setor como um todo – cresceu, em termos reais, 8% em 2022 sobre 2019, e 5% sobre 2021 –, subimos preços abaixo da inflação, especialmente a de alimentos", diz Paulo Solmucci, presidente da Abrasel. Foto: Tânia Rego/Agência Brasil

A reforma tributária é prometida como prioritária na agenda econômica do governo para este semestre. Nesta conversa, o presidente da Abrasel, Paulo Solmucci, contribui para o debate apresentando o ponto de vista dos empresários de bares e restaurantes, além de comentar o desempenho recente do setor.

Pesquisa recente da Abrasel com empresas do setor revela que 33% esperam ampliar o quadro de funcionários em 2023. Em contrapartida, a maioria ainda declara estar operando sem lucro (34%) ou no prejuízo (19%). Como ler esse quadro?

A intenção de contratar é consequência do bom faturamento registrado (em dezembro, 59% afirmaram ter faturado mais que no mesmo período de 2021). Diferentemente do setor industrial, onde se pode ganhar escala investindo em máquinas, para ampliar seu faturamento bares e restaurantes precisam de funcionários.

Então, as empresas estão aproveitando a demanda, que está acontecendo, e contratam. Elas faturam mais, mas o resultado na última linha para muitos ainda é negativo.

Quais as principais determinantes para esse resultado negativo?

Temos dois grandes pontos de atenção. O primeiro é a inflação. Em 2022, a inflação de alimentos superou os 12%, e só conseguimos repassar, em média, 7% de aumento de preços. Então ficamos muito atrás da inflação de alimentos, de energia, de aluguel. Então, apesar do faturamento estar indo muito bem para o setor como um todo – cresceu, em termos reais, 8% em 2022 sobre 2019, e 5% sobre 2021 –, subimos preços abaixo da inflação, especialmente a de alimentos.

De junho para cá conseguimos começar a reajustar um pouco acima do IPCA, o que vai permitindo uma pequena recuperação de margem. Mas o fato é que o mercado não absorve aumento de preços para acompanhar a inflação de alimentos tal como foi, e isso ainda tem impossibilitado uma melhora. Um dado que nos preocupa, por exemplo, é que há 5 meses o percentual de estabelecimentos fazendo prejuízo está estável, próximo dos 20%.

Outro elemento que tem alterado os resultados de muitos estabelecimentos é a mudança na estrutura de trabalho das empresas. Bares e restaurantes que estão no entorno de centros empresariais como a avenida Paulista, no caso de São Paulo, ou no centro do Rio de Janeiro, para dar dois exemplos, ainda estão sofrendo porque o retorno das atividades presenciais não foi total.

A maioria das grandes empresas ainda permite dois dias de home office. Com isso, nessas regiões, as sextas-feiras – que eram o melhor dia da semana em faturamento – passaram a ser um dos piores, junto com as segundas-feiras, e os estabelecimentos não conseguem faturar como antes, pois parte dessa demanda foi deslocada para os bairros.

O endividamento e a inadimplência revelados pelos empresários – respectivamente, de 70% e 23% do total, no caso de linhas regulares – são altos. Quão distantes estão do nível histórico observado na pesquisa da Abrasel?

Antes da pandemia, o nível de inadimplência girava em torno de 5% a 7%. É preciso lembrar que quase todos os empresários se endividaram de maneira muito forte durante a pandemia. E se apenas 47% das empresas hoje operam com lucro, significa que um conjunto majoritário do setor não consegue resultado positivo para abater suas dívidas. Se observar, verá que o percentual de empresas com dívidas em atraso (23%) está um pouco acima do de empresas operando no prejuízo (18%).

Essa é uma situação muito grave, porque em geral esses empresários rolam suas dívidas deixando de pagar impostos. É dessa forma, atrasando compromissos que não têm execução imediata, que conseguem manter as portas abertas. Infelizmente, a pandemia já prejudicou muito empresário, e vai deixar mais gente pelo caminho.

O setor espera algum tipo de Refis?

A gente enxerga como essencial, lembrando que os bares e restaurantes pagaram uma conta desproporcional pelo bem-estar coletivo, com as restrições de circulação para controlar o contágio de Covid-19. Infelizmente, as cosas nesse sentido estão avançando lentamente. Falou-se de Refis para as grandes empresas, parcelamento de dívida para quem está no Coaf, mas ainda ninguém olhou para os pequenos, especialmente para os bares e restaurantes.

No caso do setor de eventos, houve ajuda (lei 12.148/21, que entre outros prevê redução de alíquotas do PIS/Pasep, Cofins IRPJ e CSLL por 60 meses e desconto de até 70% sobre o valor total de dívidas tributárias e não-tributárias). No nosso, não.

Considera o cenário de juros altos e os possíveis impactos da crise das Americanas tende a agravar o cenário para o setor no campo do crédito?

Como eu mencionei, temos ¼ do setor que infelizmente já não tem crédito, pois estão inadimplentes. Será preciso ver se conseguirão se recuperar de fato, pois esses estão na fila para fechar portas. Em outubro passado, uma Medida Provisória ampliou o prazo de pagamento de empréstimos pelo Pronampe, de 48 para 72 meses, mas até hoje não foi regulamentada. O que a gente sabe é que em breve muitas dessas empresas deverão entrar em insolvência.

Quanto ao efeito da crise das Americanas no mercado de crédito, já estamos vivendo uma taxa de juros reais altíssima, da ordem de 7% a 8%, que por si só já é difícil carregar. E estou falando em termos de Selic, que leva a uma taxa de mercado de pelo menos do dobro. É quase impossível ter um negócio que supere essa taxa de juros, ainda mais sem conseguir acompanhar a inflação. É uma situação ruim.

Qual a agenda da Abrasel para este ano?

Nosso grande ponto de alerta hoje é a reforma tributária. A reforma que o governo está priorizando – e que de fato achamos que deve ser priorizada – tem como base a unificação dos impostos indiretos em um IVA. Quando se calcula o impacto para o nosso setor, essa proposta gera um aumento de carga tributária de 22%. É impossível de absorver. Assim, uma reforma tributária como essa só pode ser aprovada para o setor de serviços ou com alíquota menor, ou com desoneração da folha.

Nós preferimos a desoneração da folha, até porque no Brasil hoje há uma desigualdade absurda nesse campo. Temos 17 setores gigantes desonerados, como TI e TIC (a medida existe desde 2011, foi prorrogada até o final deste ano pela lei 14.288/2021, e permite aos setores contemplados optar por substituir a cota patronal sobre a folha, de 20%, pela contribuição previdenciária sobre receita bruta de 1% a 4,5% de acordo ao setor).

Não queremos privilégio, queremos equidade. Mas essa desoneração tem que ser votada junto da reforma. Se for separado, a gente quebra. Temos conversado com a frente parlamentar de comércio e serviços, tanto na Câmara quanto no Senado, e deixamos claro que é impossível fazer reforma tributária se essa desoneração não vier junto, ou antes. Mesmo assim teremos aumento de carga tributária, mas aí será mais fácil de administrar.

O que não podemos é imaginar que um setor em que hoje 53% das empresas operam sem lucro poderão absorver um aumento de carga de 22%.

Em conversa anterior para o Blog, foi mencionada uma mudança no modo de trabalho dos bares e restaurantes durante a pandemia, devido ao aumento do delivery. Em que medida essa cultura perdurou e ainda desafia a competitividade desses negócios? Como tem evoluído a relação dos bares e restaurantes com os serviços de entrega?

De fato, uma ciosa bonita que aconteceu é que setor ficou mais sofisticado em termos de relação com o consumidor. Já era uma característica desses negócios, pois o tipo de prestação de serviços que promovem demanda essa atenção. A jornada do estabelecimento com o cliente agora é mais desafiadora.

Começa na pesquisa prévia que ele faz em busca de informações sobre o estabelecimento, lendo comentários de outros clientes, até a atenção com o pós-venda. Isso demanda uma equipe para cuidar desses clientes – não só do usuário, na hora que contrata o serviço – da qual nunca precisamos antes, e o empresário que tenta fazer isso por conta própria assume um estresse adicional.

Veja um caso do qual soube recentemente, de uma cliente que comentou nas redes que havia passado a pior experiência de sua vida em um estabelecimento que costuma ser muito bem avaliado. O restaurante buscou essa cliente para saber o que havia ocorrido, e ela esclareceu que o motivo foi o rompimento com seu namorado. Ela acabou eliminando a postagem, pois de fato era um motivo pessoal que nada tinha a ver com o lugar.

Sempre orientamos a que as empresas façam bem o básico operacional; depois, selecione os canais em que se apresentará de forma a garantir que poderá atender o usuário dentro deles da melhor forma possível. E, se tiver condições, entenda essa questão da jornada do cliente mais longa, como um todo.

Quanto à relação com as empresas de entrega, tivemos uma conquista recente importante, em que o CADE impôs limites aos contratos de exclusividade do Ifood, que detém 80% de participação no mercado. Isso deve abrir espaço para que outras empresas se tornem competitivas e consigam crescer.

Também continuamos trabalhando com muitas empresas para que as indústrias de software e grandes plataformas adotem o ambiente de open delivery, que permite a administração de pedidos em um só software de gestão (de código aberto, que conecta estabelecimentos a aplicativos e plataformas e uniformiza as informações que hoje têm de ser preparadas de acordo ao padrão exigido por cada aplicativo).

Isso reduziria os custos operacionais das empresas de serviço de entrega em 15%, facilitando a entrada de novas empresas. Esperamos avançar nesse processo.

Fonte: FGV IBRE

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